Quando se pensa na palavra
“cabaret”, a imagem que, quase sempre, vem à mente é a de um local de reunião
de personagens do submundo, como prostitutas, gângsteres, bêbados e cantoras e
dançarinas decadentes, como retratado no filme estrelado por Liza Minnelli e
dirigido por Bob Fosse, baseado em peça de John van Druten, e no musical da
Broadway atualmente em cartaz no Brasil, dirigido por José Possi Neto, que traz
a atriz Cláudia Raia como protagonista.
Na verdade, esta é a imagem que
se popularizou após a ascensão do nazismo na Alemanha e que se perpetuou em
muitos filmes, como “O Diabo Feito Mulher”, com direção de Fritz Lang e grande
atuação de Marlene Dietrich.
Contudo, não é esta a ideia
retratada no musical “Cabarecht”, apresentado na última quinta (03/05), no
Teatro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, dentro
da programação da 12ª edição do Festival do Teatro Brasileiro - Cena Gaúcha, pela
Cia. Babel de Teatro, de Porto Alegre, com direção musical de Cida Moreira e
roteiro e direção de Humberto Vieira.
O Cenário, composto por uma
mesa, três cadeiras e um piano, tendo como fundo cortinas vermelhas e pretas,
até proporciona o clima inicial ideal para que o clichê de cabaret se
desenvolva. As semelhanças, contudo, só duram até a entrada em cena da
pianista, cantora e atriz (Cida Moreira), que dirige o cabaret e seus
atores/cantores (Sandra Dani, Antônio Carlos Brunet e Roberto Camargo).
No melhor estilo do
Expressionismo alemão, o figurino preto (com algum detalhe colorido) e a pesada
maquiagem em tons de preto e branco acaba de vez com qualquer possibilidade de
que esta imagem se concretize. Parece mais uma reunião dos mortos insepultos da
obra “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, ou que Mephisto e seus amigos
decidiram buscar diversão em um cabaret.
De mortos, no entanto, as
personagens não possuem nada. Suas expressões faciais, diálogos e canções,
acompanhados pelo piano, primam pela afinação, integração e pela bela e forte
interpretação.
Na verdade, o Cabaret retratado
pelo elenco remonta a uma realidade comum em Berlim, na década de 1920, marcada
pelo glamour, mais próxima ao conceito de Sarau, onde artistas se reuniam para
mostrar uns aos outros e à burguesia seus textos, esquetes e canções. Este
formato é utilizado, inclusive, no meio do espetáculo, para apresentar os
créditos técnicos e agradecer a todos aqueles que colaboraram para que a
apresentação ocorresse em Goiânia, como se fosse um dos textos declamados.
O próprio título do espetáculo
faz esta distinção, ao unir Cabaret + Brecht, já que as canções apresentadas
são de autoria do dramaturgo Bertolt Brecht e do compositor Kurt Weill, algumas
delas presentes na peça “Ópera dos Três Vinténs”, de Brecht, como Moritat (Die
Moritat Von Mackie Messer), baseada na “Ópera dos Mendigos”, de John Gay e
Pepusch, e adaptadas para a realidade brasileira por Chico Buarque de Hollanda,
na “Ópera do Malandro”.
Ao longo do espetáculo, são
apresentadas canções em Inglês, Francês, Português e Alemão, entremeadas pela
declamação de textos. A melodia das canções, no entanto, está longe de se
apresentar como agradável ao ouvido, o que, na verdade, pouco importa no
espetáculo, já que as canções compostas por Brecht e Weill nunca tiveram a
intenção de se mostrarem “bonitinhas”, mas de contar uma história, estabelecer
um diálogo ou apresentar um protesto. Suas letras é que dão o toque de humor ou
trazem a realidade dos bordéis para o espetáculo, como acontece com “O Tango do
Cafetão”. O clima de protesto contra a falta de alimentos na Alemanha também é
apresentado pelos atores, que seguram uma faixa onde se lê “O que mantém o
homem vivo?”, enquanto cantam.
Enfim, o quarteto afinado e de
aparência “estranha” que levou ao palco as canções dissonantes de Brecht e
Weill conseguiu proporcionar ao público um espetáculo belo e estranho ao mesmo
tempo, ou melhor, um espetáculo harmoniosa e estranhamente belo.
Gilson P. Borges
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